Termina nesta segunda-feira (30) o prazo para os contribuintes entregarem a Declarações do Imposto de Renda da Pessoa Física (DIRPF). A perspectiva da Receita Federal é receber 28,8 milhões de documentos até às 23h59 de hoje – meio milhão a mais do que no ano passado, o que indica um número maior de pessoas prestando contas ao leão.

Este número é significativo, mas será que essas novas cobranças por parte do governo federal são justas? De acordo com o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco), a resposta é “não”. O departamento de estudos técnicos da instituição constatou que existe uma defasagem média acumulada de 88,4% no reajuste da tabela do Imposto de Renda desde 1996.

O que revela, segundo esse balanço, em termos práticos, que a atual faixa de isenção do IR de R$ 1.903,98 deveria ser de R$ 3.556,56. Ou seja, que somente as pessoas que têm uma renda tributável mensal superior a este valor deveriam sofrer o desconto retido na folha de pagamento.

A situação fica ainda mais preocupante quando se considera que, em média, o trabalhador brasileiro recebeu R$ 2.112,00 por mês em 2017, conforme o último levantamento divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Quer dizer, em média, o trabalhador ganha um valor insuficiente para pagar o imposto.

Por falta de dados oficiais, não é possível apontar com precisão quantas pessoas não deveriam declarar obrigatoriamente. Entretanto, de 2015 – último ano em que a tabela foi atualizada – para 2018, houve um aumento de, pelo menos, 1,3 milhão nesse número, sendo a defasagem na tabela um dos motivos para isso. A relação a seguir mostra os anos e as respectivas projeções de declarações de IR esperadas pela Receita:

 

  • Em 2015: 27,5 milhões;

 

  • Em 2016: 28,2 milhões;

 

  • Em 2017: 28,3 milhões;

 

  • Em 2018: 28,8 milhões

Como se deu a defasagem de 88,4% na tabela do Imposto de Renda?

Quem é mais velho deve se lembrar de que a década de 1990 foi um período um tanto quanto conturbado economicamente para o País. Falava-se em hiperinflação de 80% e nos planos econômicos do governo psdbista implantados para reerguer a economia nacional, que havia herdado dívidas da ditadura militar e pela elevação da dívida externa.

Na segunda metade da década de 1990, os preços já estavam estabilizados, mas o Estado ainda precisava resolver a crise fiscal. A saída encontrada foi o congelamento da tabela de IR entre 1996 e 2001 para que, progressivamente, mais pessoas passassem a colaborar ano após ano e, desta forma, estancar o deficit público.

Somente em maio de 2002 foi aprovada uma lei que autorizava um reajuste de 17,5% na tabela de IR para tentar frear aqueles anos de congelamento. No entanto, como a porcentagem ainda não era o suficiente para “dar conta” daquela defasagem, em 2005 e 2006, o governo fez novas atualizações.

Para o período de 2007 e 2014, foi aprovado por lei um reajuste de 4,5% ao ano. Em 2011, o Governo editou a medida provisória e estabeleceu o índice de correção da tabela do IR para os anos-calendário que deveriam continuar até 2014. Na atualização de 2015, o governo implantou reajustes para cada faixa de incidência:

  • Até R$ 1.903,98 obteve 6,5% de reajuste;

 

  • de R$ 1.903,99 até R$ 2.826,66 também obteve 6,5% de reajuste;

 

  • de R$ 2.826,67até R$ 3.751,05 obteve 5,5% de reajuste;

 

  • de R$ 3.751,06 até R$ 4664,68 obteve 5% de reajuste;

 

  • acima de R$ 4.664,68 obteve 4,5% de reajuste.

De acordo com as regras implantadas, as faixas de renda mais baixas obtiveram reajustes mais significativos. Se em 2014 a primeira faixa era de R$ 2.027,68, com a atualização de 6,5% o valor baixou para R$ 1.903,98. De acordo com o Sindifisco, a revisão de 2015 trouxe uma correção média de 5,6% na tabela do IR. Contudo, assim como nas outras decisões petistas focadas em repor as perdas inflacionárias, o valor foi insuficiente para anular a defasagem.

Motivos

Você pode estar se perguntando como o Estado permitiu que a situação chegasse a este ponto. José Dumont Neto, advogado da área tributária do escritório Miguel Neto Advogados explica que, como existem rombos muito grandes nas contas públicas (no ano passado foi de R$ 120 bilhões e a projeção deste ano é de R$ 180 bilhões), não é interessante para o governo aprovar a atualização da tabela do IR, porque a não correção dela é uma forma sutil de continuar recebendo tributo.

Além disso, o especialista lembra que este é um ano de eleições e que aumentar a tributação para alguns setores econômicos em troca da atualização da tabela do IR da pessoa física pode ser prejudicial para quem deseja se reeleger, já que a aprovação de uma nova Lei de reajuste, neste momento, causaria um desgaste político. Em outubro, haverá disputa para presidente da República, governador, senador, deputado federal e deputado estadual/distrital.

Isso significa que ninguém está tentando corrigir a tal defasagem?

No momento, há um projeto em tramitação do senador Lasier Martins (PSD/RS) que pede uma alteração progressiva, ano após ano da tabela do IR e a elevação da faixa de isenção para R$ 2.220,70 já para 2019.

Diferente do estudo do Sindifisco, mencionado na parte de cima da matéria, que leva em consideração a defasagem a partir de 1996, o projeto apenas considera a correção a partir de 2015, e por isso há diferença dos valores apresentados das faixas de isenção.

Contudo, assim como Dumont Neto não se mostra esperançoso com uma eventual atualização da tabela, o senador também não parece muito otimista com o projeto em tramitação. “Alguns parlamentares são sensíveis a essas questões [fazer atualização], mas, na verdade, as bancadas governistas tendem a barrar o avanço porque não interessa a nenhum governo a perda de receita garantida”, disse.

Quando questionado sobre quantas pessoas deixariam de ser tributas pelo IR caso a alteração progressiva da tabela seja aprovada, o senador disse que não tem o dado preciso, mas que as mudanças nas faixas deixariam isentos milhões de brasileiros que hoje são descontados.

Uma dessas pessoas que poderiam se livrar das garras do leão é o professor de filosofia e sociologia para ensino médio, Fábio Luporini. Atuando também como jornalista freelancer, eke conta que o emprego fixo lhe da uma renda tributável mensal de R$ 2.500,00, mas que, dependendo do mês, consegue elevar a receita para pouco mais de R$ 3 mil, o que o deixaria isento caso a faixa de isenção subisse para R$ 3.556,56.

Neste ano, por exemplo, Luporini conta que a sua declaração do IR deu aproximadamente R$ 400,00, o que é um valor baixo para ele, quando comparado ao ano anterior em que teve que desembolsar R$ 5.000,00, visto que tinha dois empregos fixos. Ele confessa, no entanto, que mesmo ‘baixo’, o novo valor fará falta, já que poderia aproveitar o dinheiro fazendo uma boa viagem.

Seria, então, o IR justo somente com pessoas economicamente privilegiadas?

O advogado José Dumont Neto diz que não. “Eu não diria que existe uma coerência de cobrança do Imposto de Renda com as pessoas mais privilegiadas. Na verdade, elas apenas são menos afetadas pelo fato da tabela não estar corrigida”, aponta. “Por outro lado, quem ganha menos estaria isento do pagamento. Ou seja, quem tem uma renda mais alta, pagaria do mesmo jeito, mas a mesma regra não se aplica necessariamente para quem tem um salário menor”, finaliza.

Fonte: IG – Economia